Desde a catequese, Igreja tem papel de conscientizar para a comunicação
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Publicado em 04/05/2018

Em tempos de redes sociais e de inúmeras informações que circulam nos vários meios, com diversas fontes e objetivos, um fenômeno antigo, mas com roupagem nova, chama a atenção: as notícias falsas, mundialmente chamadas no contexto atual de fake news. A temática que mereceu espaço na reflexão do papa Francisco para o 52º Dia Mundial das Comunicações Sociais – neste ano em 13 de maio – foi abordada em entrevista à revista “Bote Fé” concedida pelo doutor e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Moisés Sbardelotto.

A relação entre os termos “pós-verdade” e fake news, as redes sociais e suas possibilidades de disseminar conteúdos falsos e também de dar voz a quem não tinha em outros tempos são alguns pontos abordados por Sbardelotto. O especialista também analisa o contexto das eleições no Brasil e sugere um “processo de conscientização comunicacional” para enfrentar a avalanche de mentiras entre candidatos.

A realidade da Igreja também é lembrada, na qual “certos indivíduos e grupos católicos em rede, muitas vezes, deixam de lado a missão de anunciar a “boa notícia” (good news) para inventar e compartilhar apenas “fake (good) news”, falsificando o Evangelho e o testemunho cristão com suas práticas de ódio e intolerância”.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:

Desde 2016, os termos “pós-verdade” e “fake news” (notícias falsas) têm ganhado espaço na mídia e no debate político em âmbito mundial. Estas expressões são sinônimas? O que significam?

Essas expressões não são propriamente sinônimas, mas estão inter-relacionadas. A ideia de fake news diz respeito a um fenômeno antigo, mas que ganhou mais evidência hoje, graças às redes sociais digitais. Trata-se justamente das “notícias falsas”, como o próprio nome diz, que são produzidas e postas em circulação seja para fins políticos, publicitários ou midiáticos. Em tempos de redes sociais digitais, o objetivo de difundir tais notícias é obter o máximo de “curtidas”, cliques, visualizações, compartilhamentos, inclusive com o recurso aos chamados “bots”, ou robôs informáticos, que simulam uma ação humana coordenada na internet. Essa falsidade das notícias pode envolver também uma certa gradualidade. Podemos ter fake news que envolvem a invenção pura de dados e fatos, totalmente fantasiosos, sem qualquer fundamento na realidade, mediante mentiras. Ou então a deturpaçãode algum dado ou fato objetivo, envolvendo, portanto, a difamação, a mentira, a calúnia sobre algo ou alguém. Ou ainda a desinformação, que é revelar apenas uma parte daquilo que se sabe, somente aquilo que é mais conveniente a certos interesses, ocultando aquilo que possa prejudicá-los – e este é um dos maiores “pecados da mídia”, como afirmou o Papa Francisco, porque impede que as pessoas possam fazer um juízo integral sobre a realidade.

E isso não envolve apenas a profissão jornalística. Na mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano, as fake news são analisadas também no âmbito da “responsabilidade pessoal de cada um” de nós, de cada pessoa. Há o reconhecimento de que estamos “no contexto de uma comunicação cada vez mais rápida e dentro de um sistema digital”, como afirma o papa, em que o midiático é um fenômeno complexo, pois envolve, justamente, de modo crescente, “cada um” de nós, seja quem for. A responsabilidade, portanto, é de todos e todas.

Em tudo isso, está em xeque a própria noção de “verdade”, e aqui está a relação com o conceito de “pós-verdade”. O termo foi eleito pelo dicionário Oxford como a “palavra do ano” de 2016 na língua inglesa; não por casualidade, foi o ano das eleições estadunidenses que levaram Trump ao poder e da vitória do “sim” no referendo sobre o Brexit, que levou à saída do Reino Unido da União Europeia, acontecimentos que envolveram uma série de fake news.

Em síntese, o conceito de pós-verdade envolve a ideia de que os fatos objetivos importam menos para a opinião pública do que a emoção e as crenças pessoais ou grupais.

Hoje, então, não interessariam tanto os dados e os fatos, mas sim as versões e as opiniões sobre eles. O prefixo “pós”, nesse caso, diria respeito ao fim da verdade como tal: haveria apenas interpretações. Mas ele também pode ser pensado como a superação de uma determinada concepção de verdade. Neste segundo caso, o conceito de “pós-verdade” torna-se mais complexo e até mais desafiador, pois leva a nos questionarmos sobre o que entendemos por verdade, especialmente em um período histórico em que temos acesso a uma quantidade inimaginável de informações, instantaneamente. Como encontrar a verdade no meio do “caos midiático” em que vivemos? A resposta, de certo modo, foi dada pelo próprio Papa Francisco no título de um livro-entrevista com ele, intitulado “A verdade é um encontro”.

Para os cristãos e cristãs, a Verdade tem nome e rosto, é Jesus. É na relação com Ele que encontramos a Verdade. Ou, melhor, “somos encontrados” pela Verdade. Nós não possuímos a Verdade, não somos donos dela. Ela – na pessoa de Jesus – é que “nos possui”. A questão, então, é estar ou não estar em relação com a Verdade.

O cenário da comunicação parece caótico. Muitas pessoas com acesso à informação, principalmente por meio das redes sociais, mas nem sempre com a verdade e a correta interpretação dos fatos. Como você avalia este contexto?

Trata-se de um contexto marcado, primeiro, pela crise do jornalismo, com a perda de público, de poder e de credibilidade por parte da “grande mídia”. Quando as instituições sociais que deveriam prover a sociedade em geral com informações verídicas caem no mero sensacionalismo ou partidarismo, é justo e necessário que as pessoas busquem outras fontes de informação.

A questão, contudo, é como as pessoas elegem essas fontes e como julgam essas informações, a partir de quais critérios e segundo quais desejos, interesses e necessidades. Fica evidente, portanto, a importância de “formar para a informação”, ou seja, de possibilitar que as pessoas possam construir as competências necessárias – desde a infância, por exemplo, nas escolas – para lidar com um mundo de informações, sem ficarem sobrecarregadas, desorientadas, inertes ou indiferentes diante dessa realidade tão complexa.

Em segundo lugar, trata-se de um contexto marcado pelo surgimento das chamadas “redes sociais”, como Facebook, Twitter, Instagram, e pelo crescente poder de plataformas como Google, Amazon, Netflix, que dominam quantidades gigantescas de informações, fornecidas por seus próprios usuários, que “trabalham” para essas plataformas constantemente, mesmo sem perceber. Nesses ambientes, formam-se com mais facilidade as chamadas “bolhas” de informação, em que cada pessoa busca se cercar apenas de fontes e conteúdos que reforcem suas convicções pessoais.

A diferença e o diferente, assim, desaparecem do horizonte. E os algoritmos de cada plataforma, por sua vez, reforçam ainda mais essa característica “mais do mesmo” das redes digitais. Poderíamos dizer que a informação hoje não é mais sinônimo de poder, pois cada pessoa pode ter acesso a elas, em um clicar de botões. O poder está em quem gerencia as informações. Quando entregamos esse poder de gestão sobre nossas informações pessoais a tais conglomerados informacionais e midiáticos, estamos abrindo mão de uma importante parcela de responsabilidade sobre a nossa própria vida.

Mas o Papa Francisco é bem claro na mensagem: “Uma argumentação impecável pode basear-se em fatos inegáveis, mas, se for usada para ferir o outro e desacreditá-lo à vista alheia, por mais justa que apareça, não é habitada pela verdade. A partir dos frutos, podemos distinguir a verdade dos vários enunciados: se suscitam polêmica, fomentam divisões, infundem resignação ou se, em vez disso, levam a uma reflexão consciente e madura, ao diálogo construtivo, a uma profícua atividade”.

Em síntese, o sinal do comunicador cristão, nas redes e fora delas, é a paz. Uma comunicação que, como reza o pontífice no fim de sua mensagem, pratica a escuta, e não o rumor; inspira harmonia, e não confusão; leva clareza, e não ambiguidade; leva partilha, e não exclusão; usa sobriedade, e não sensacionalismo; faz interrogativos verdadeiros, e não superficialidade; desperta confiança, e não preconceitos; leva respeito, e não agressividade; e, por fim, leva verdade, e não falsidade. É nas relações construídas a partir desse horizonte que a “Verdade em pessoa” se manifesta e se encarna.

Fonte: CNBB

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